segunda-feira, 7 de maio de 2007

Grandes e pequenos

Nunca um time havia conseguido reverter uma desvantagem de dois gols na final do Paulista.

Na verdade, reviravoltas na final são menos comuns do que nossa imaginação acredita, mesmo em derrotas simples. Até este ano, apenas duas vezes na história dos mata-matas do Campeonato Paulista o time que perdera o primeiro jogo das finais conseguiu reverter no segundo. O Palmeiras, em 1993, aplicou 3 a 0 no Corinthians (e 1 a 0 na prorrogação) após perder o primeiro jogo por 1 a 0, no gol porco de Viola, e encerrou ali o mais longo jejum de sua história, 17 anos sem títulos. Em 1998, o São Paulo inscreveu Raí para o segundo jogo da final, e conseguiu reverter a derrota por 2 a 1 do primeiro jogo com um 3 a 1 sobre o Corinthians de Wanderley Luxemburgo.

Por isso, não havia argumento racional razoável para acreditar que o Santos poderia devolver os dois gols de diferença feitos pelo São Caetano no primeiro jogo. Afinal, o time do ABC tem na marcação e contra-ataque sua especialidade, e, a despeito da melhor qualidade técnica individual do elenco do alvinegro, nenhuma equipe tem hoje jogadores de uma nível tal que essa superioridade se imponha naturalmente.

De onde veio, então, a esperança que colocou mais de 55 mil santistas na platéia da busca pelo resultado improvável?

Certamente há um pouco de fé no comportamento do torcedor, entendendo-se a “fé” uma crença ilógica na ocorrência do improvável, como definiu o jornalista americano H.L. Mencken.

Mas para um cético e ateu, essa explicação de alucinação coletiva não é suficiente. Entendo que havia mais motivos, intangíveis que fossem, que justificassem a crença na virada que parecia difícil de se concretizar.

Aí entra a confiança do torcedor na capacidade do técnico, Luxemburgo, que havia ido muito mal nas partidas anteriores ao jogar com a vantagem, mas que sabe armar como poucos o time para atacar. Acima disso, aí entra a esperança no talento de Kleber, Cléber Santana, Pedrinho, Marcos Aurélio e, principalmente, Zé Roberto, a grande estrela alvinegra. Mas, como já disse, isso ainda parecia pouco para superar um time que faz do trabalho de anular o adversário sua maior especialidade.

Onde, afinal, o santista foi buscar a confiança na virada?

Acho que nem no plano místico, nem no técnico-tático. Foi muito mais a crença na instituição, na camisa do clube. Afinal, também é verdade que só uma vez um time pequeno venceu um grande na finalíssima, em 1986, quando a Internacional de Limeira bateu o Palmeiras no Morumbi por 2 a 1, e nunca um finalista do Paulistão que disputa a série A do Brasileiro perdeu uma final para um time que disputasse outra série.

O Santos tinha, enfim, a camisa, a tradição. Tem aquilo que define os grandes: uma história com conquistas em diferentes períodos, que dão à sua camisa – e à de todos os grandes – um arquétipo vencedor. É o tal peso que tanto se fala.

O São Caetano, que fora brilhante na segunda semi-final contra o São Paulo e aniquilara o Santos taticamente no primeiro jogo, resolvendo a parada nos contra-ataques, entrou em campo como pequeno. Recuou demais, trouxe a marcação para seu próprio campo e chamou o Santos para cima.

Que bobagem. O Santos, armado para isso com Pedrinho no meio e Maldonado na lateral direita, aceitou o convite e se debruçou sobre o campo do São Caetano levando o Morumbi junto. Impôs uma pressão terrível até o primeiro gol, não dando qualquer chance de contra-ataque ao adversário. Depois do gol, talvez até por um relaxamento natural, a pressão arrefeceu, mas Jonas, Rodrigo Souto e Zé Roberto ainda estiveram perto de marcar o segundo antes do intervalo.

No segundo tempo, Dorival Junior colocou o volante Galiardo no lugar de Canindé, teoricamente deixando o time ainda mais defensivo. Na prática, ele colou em Zé Roberto e o São Caetano finalmente entrou em campo. Adiantou a marcação, atrapalhando a saída de jogo santista, e começou a tentar tocar a bola na intermediária ofensiva. Seguia, enfim, a receita de quem quer segurar o resultado com a cabeça.

O Santos, extenuado, não era mais o mesmo time do primeiro tempo. O jogo ficou nervoso, com excesso de faltas e erros de passe. Sem muitas opções no banco, Luxemburgo tirou Jonas, que errara duas bolas fáceis em seguida, e colocou o menino Moraes, irmão de Bruno Moraes, o que não estourou da geração Diego & Robinho, ambos filhos de Aloísio Guerreiro. Uma aposta temerária.

Bem no começo do segundo tempo, com o passar dos minutos o São Caetano foi recuando. A ala esquerda se abriu, e Kleber começou a aparecer, errando muitos cruzamentos. Quando acertou, Zé Roberto, impedido, quase marcou, e Cléber Santana, também impedido, balançou as redes, num gol bem anulado. Aos 30, Luxa queimou os últimos cartuchos, colocando Tabata no lugar do exausto Pedrinho e Carlinhos no lugar de Cléber Santana. “Que bobagem”, protestei eu. “O Cléber Santana sempre pode resolver numa bola parada e o Kleber não está acertando os cruzamentos”.

Dorival respondeu, colocando Ademir Sopa no lugar de Glaydson e o veloz Marcelinho no lugar de Luiz Henrique. O São Caetano tornava-se cada vez mais perigoso nos contra-ataques, pois havia crescentemente mais espaço no meio da zaga santista. No lance mais perigoso, Triguinho entrou e Maldonado entrou de carrinho. Silêncio. No estádio, ficara a sensação de pênalti, que a TV desmentiria depois: o jogador santista recolhe a perna e Triguinho se atira. Merecia, aliás, um cartão, que seria o vermelho.

O jogo já ganhava contornos de drama para a torcida santista quando Kleber recebeu a bola na esquerda, marcado de perto por Ademir Sopa. Sem espaço, foi até a bandeirinha de escanteio e descolou um cruzamento improvável, na risca da pequena área, para o pequenino Moraes se atirar, livre, e matar o jogo.

O resto foi desespero do São Caetano, que deu ao Santos mais três ou quatro chances claras de ampliar, e espera pelo apito final.

De concreto mesmo, a estrela de um time que achou no lateral, que fazia péssima partida, e num menino de 20 anos, aposta temerária de quem não tinha banco, o sofrido gol do título. Coisas que só acontecem com time grande. Ou, olhando do ponto de vista da torcida arco-íris que apoiou o São Caetano, coisas que só acontecem com time pequeno.

2 comentários:

Palestrino disse...

Bonito o texto do Caiçara, como sempre. Mas ele também se mostra ingrato, como sempre. Manda o Luxemburgo para o Palmeiras, ele que não sabe nada. Em troca, nós mandamos o Caio Jr para a Vila.

Anônimo disse...

Você não tem fé, menino? Até o fim da semana vou te dar umas palmadas.