segunda-feira, 9 de abril de 2007

Nas brumas da memória – histórias de Alberto Helena Jr. (Parte 1)

A portaria do condomínio, em Ibiúna, deixava a cidade, uma das violentas do Estado, para o lado de fora. A rua de terra, que servia de via de acesso, até daria um ar campestre ao lugar, não fossem os vigias circulando em suas motocicletas, símbolos da razão primordial pela qual os condomínios existem.

Foi um desses atentos e prestativos servidores que impediu que eu e o palestrino nos perdêssemos no emaranhado de ruelas, nos conduzindo diligentemente para a Casa de Pedra.

Mais do que uma referência, Casa de Pedra é uma descrição. Todos os muros, colunas e paredes da casa são em pura rocha, conferindo à construção um ar de fortaleza medieval. Entrando pela sala, fica evidente a combinação de solidez e sofisticação: o piso e os móveis em madeira fazem uma combinação que consegue ser, ao mesmo tempo sóbria, elegante e aconchegante.

À direita da entrada, um quarto; à esquerda, a cozinha. Passa-se pela sala de jantar e pelo escritório antes de chegar na sala de estar, no centro da qual uma enorme TV domina o ambiente. Na mesma direção da TV, do outro lado da sala, um escritório improvisado, estrategicamente montado, permite observar ao mesmo tempo os melhores lances da rodada e a vista deslumbrante da sacada. Sentado ao computador, Alberto Helena Jr. interrompe seu trabalho para nos receber. Ele nos deixa à vontade enquanto finaliza sua coluna do dia seguinte.

Toda a arquitetura da casa conduz para a enorme sacada, da largura da sala, e a vista do vale circunvizinho. Ali pudemos observar que o terreno da casa, em declive, levava a um lago – inclusive com rampa para embarcações. Antes de chegar ao lago, cerca de 80 metros abaixo, passa-se pela piscina e churrasqueira.

Tão logo finalizou a primeira parte da coluna que seria publicada no domingo, Alberto Helena veio se sentar conosco na sacada. “É difícil me tirar daqui, viu?”, disse, entre uma tragada no cigarro e um gole no uísque, aos que perguntavam se ele fora ao último show do Paulinho da Viola. Futebol, então, ele só vai às Copas do Mundo. “E olha lá. No Japão eu não fui, é muito longe”.

No bate-papo, em meio à sugestiva fumaça dos cigarros, Helena foi buscar nas brumas da memória muitas histórias, desde o seu início profissional na música, passando pela organização dos primeiros festivais até a transição para o trabalho com o futebol. Do futebol, contou alguns bastidores saborosos, como os episódios que levaram à indicação de Telê Santana para o cargo da seleção e como o técnico disciplinador aceitou trabalhar com Sócrates. Uma oportunidade única de compartilhar as memórias do colunista que hoje faz, disparado, o melhor texto sobre futebol da mídia brasileira.

Confiram, abaixo, algumas das histórias contadas por Alberto Helena. Para o texto não ficar muito grande e impossível de ser lido na web, vou deixar algumas das histórias para a próxima semana.

Telê na seleção

1979: o Brasil vivia a fase de transição para a democracia. A abertura contagiou até o esporte. Até então, todas as modalidades estavam subordinadas à CBD (Confederação Brasileira de Desportos). O governo, então, decidiu descentralizar e criou organizações próprias para cada uma das diferentes atividades esportivas. Nessa onda, foi instituída a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), que teve como primeiro presidente, já em 1980, o empresário e cartola do América carioca, Giulite Coutinho.

A primeira decisão do dirigente foi escolher o novo técnico da seleção, pois não se permitiria mais acumular o cargo de técnico da seleção e de clubes, e Cláudio Coutinho preferira ficar no Flamengo.

Na onda da transição, o novo presidente formou um “colégio eleitoral” com os principais jornalistas esportivos do país – entre eles, Alberto Helena.

O consenso acabou sendo definido por meritocracia: chegou-se à conclusão de que seria preciso um técnico que já tivesse conseguido se sagrar campeão em centros importantes. Telê Santana, que já havia sido campeão carioca com o Fluminense, Brasileiro com o Atlético Mineiro e gaúcho com o Grêmio vivia então um bom momento no Palmeiras, formando uma equipe competitiva sem grandes estrelas. Aquele Palestra que aplicou 4 a 1 no Flamengo de Zico em pleno Maracanã foi decisivo para Telê chegar à seleção.

Telê e o Doutor

Adepto do futebol-arte, Telê Santana era conhecido por ser linha dura com os jogadores. Por onde passou, cuidava da disciplina, criou cartilha e ficou conhecido por não permitir que os jogadores fizessem sexo na véspera dos jogos. Era por isso que Telê fazia questão de ficar plantado na porta do hotel da concentração até que tivesse certeza de que todos estavam dormindo como anjos.

Sócrates era a antítese de tudo aquilo que Telê esperava de um jogador. Não gostava de treinar e muito menos de regras, bebia, fumava, era contestador. Não era de se admirar que o técnico resistisse a convocar o ídolo do Corinthians. “Sempre que eu comentava com o Telê ele respondia: ‘lá vem você com essa história’. Na época, eu era o único a defender a convocação dele”.

Defensor do futebol do craque, Helena conversou com Sócrates sobre a possibilidade dele se enquadrar na seleção. “Ele me respondeu: ‘Eu tenho Brasileiro no nome. Faria qualquer coisa para jogar pela seleção’. E eu contei isso para o Telê”.

Telê convocou então Sócrates, e o testou. Escalou de centro-avante, lateral direito, ponta, sempre fora de posição. E o Magrão se dedicava ao máximo, tanto nos coletivos quanto nos treinos físicos, puxando a fila nas corridas. Assim ganhou a chance de ser testado na sua real posição: comeu a bola. “Aí o Telê me chamou e disse: o Sócrates vai ser meu capitão”.

Rogério Ceni

Uma notícia de interesse para tricolores: Alberto Helena Jr. foi contratado para escrever um livro sobre o arqueiro do São Paulo. Amado por sua torcida, odiado por todas os outras, foi a chance de estabelecer uma breve polêmica.

O palestrino colocou que entende que o goleiro é supervalorizado, talvez por ser articulado e educado, pois ao mesmo tempo em que se destaca jogando com os pés, sua atuação embaixo das traves muitas vezes deixa a desejar (opinião que compartilho, diga-se). Lembrou o recorrente defeito do jogador se ajoelhar diante dos adversários, tal qual arqueiro de salão, e como isso o deixa vendido diante de um atacante mais habilidoso.

Para nosso desapontamento, Helena discordou. Disse considerar Rogério um ótimo goleiro, talvez não tão bom quanto Marcos e Dida, mas ainda assim muito acima da média.

Eu acrescentei que, além das limitações técnicas, via no goleiro uma liderança muitas vezes negativa, pois em algumas competições que o São Paulo foi eliminado com jogadores expulsos, ele, em vez de tentar acalmar os companheiros, era um dos primeiros a partir para cima do juiz, desequilibrado.

Helena minimizou, dizendo que ele fazia o papel que precisava ser feito por alguém. Mas ponderou que, para seu livro, enquanto personagem, a constância e equilíbrio na carreira tornam Rogério menos interessante do que muitos outros, como Romário e Maradona.

Futebol & Violência

Helena considera o futebol uma teatralização da guerra (para desgosto do palestrino, que considera tais ilações devaneios de intelectuais), um ritual simbólico que replica a batalha entre dois exércitos.

“A partir do momento que esse teatro passa a gerar uma violência real, ele deixa de fazer sentido”, diz. Por isso Helena não admite, de forma nenhuma, que a violência fora de campo tenha se integrado ao esporte. Vê isso como um reflexo dos problemas sociais do País.

Argumentei que a violência das torcidas não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, podendo ser vista na Argentina, na Inglaterra, na Alemanha, etc. Helena sustenta que também nesses países o crescimento da violência de hooligans, ultras e afins está intimamente conectado aos problemas econômico-sociais. Como exemplo, lembrou o episódio protagonizado pela torcida do Liverpool, na Copa dos Campeões de 1985, quando 39 torcedores morreram. “Na ocasião”, lembra, “o porto de Liverpool passava por grave crise, e milhares haviam ficado desempregados. O futebol servia como válvula de escape para a frustração”.

Mas Helena não é determinista na análise. Ao mesmo tempo em que faz essa análise mais materialista (no sentido marxista), ele não se furta a reconhecer outro elemento fundamental na violência das torcidas: o fanatismo. “E não é só no futebol. O fanatismo ainda hoje é um dos grandes perigos que a humanidade enfrenta”, acrescenta.

Fanatismo & Futebol

O fanatismo, aliás, era um dos grandes temores do seu pai em relação ao futebol. “Ele dizia que isso destruía as pessoas, que elas não pensavam em nada além do clube. Por isso ele queria me afastar do futebol de todo jeito”, lembra.

Conseguiu parte da tarefa: são-paulino assumido, Helena está longe de ser fanático. “Comecei gostando do São Paulo, mas sempre gostei de assistir futebol, independentemente de quem estivesse jogando. Meu pai conseguiu me afastar do fanatismo, mas não do futebol”, brinca.

6 comentários:

Rodrigol disse...

Livro sobre a vida do Rogério Ceni? Mais chato que isso, só a autobiografia do Kaká...

Anônimo disse...

Muito bom o texto!

Eric disse...

Essa história do livro não seria esse o primeiro furo do blog?
De qualquer forma, parabéns Caiçara. Magnífico.

Don disse...

Será que agora vocês ouvirão a voz da razão?!
Além de líder e artilheiro, RC segura as pontas quando precisa, vide defesa após defesa menos vazada e o muro que o Liverpool nunca mais esquecerá.
O ótimo texto será sempre a pérola de estréia do blog.

Anônimo disse...

Legal... espero que o blog dê certo. Texto bem legal. O RC é acima da média... sim é (tb... se não fosse... não ser melhor do que Jhonny Herrera e Sérgio é brincadeira)... mas ainda assim é enganation. Começou a jogar bem no final da carreira e só ganhou destaque por causa das faltas... nunca chamou atenção por causa de seu jogo embaixo das traves.
VAI CORINGA!!!

Anônimo disse...

o rogério ceni é um cagalhão!