sexta-feira, 20 de abril de 2007

Um santo bêbado, drogado e mulherengo

Nápoles, a maior cidade do sul da Itália, é muito pobre. As razões históricas são muitas, mas não falarei sobre isso aqui.

Vários prédios na orla estão em ruínas desde o fim da Segunda Guerra. Muitos encontram-se literalmente em pedaços – alguns são apenas metade do que foram, a parte ainda em pé escorada pelas colunas restantes da metade que não mais existe, como que dizendo Ei, aliados, vocês me bombardearam, tudo bem, eu entendo isso, mas vejam: eu ainda estou aqui.

Mesmo assim, são habitados por famílias que não têm escolha. São quatro, cinco, dez pessoas num apartamento com janelas forradas de trapos pendurados, e eu nem quero imaginar qual é a situação lá dentro. Além de tudo, há a Camorra, a máfia local, que domina os esquemas ilegais de jogos, bebidas e prostituição, além dos negozi que os napolitanos teimam em abrir para se sustentar.

Sei que o nariz-de-cera já está enorme, mas calma que eu chego lá. O caso é que, com tudo isso, a população de Nápoles tornou-se extremamente religiosa, apegando-se ao seu panteão sagrado como uma criança agarra-se a alguma novidade numa loja de brinquedos. O padroeiro oficial é San Gennaro (São Januário, para nós), mas a cidade tem outros 73 santos protetores, adotados pela população a partir do século XVII. Alguns são conhecidos, como Santo Antônio de Pádua ou São Nicolau (sim, o Papai Noel); outros nem tanto. Alguém aí já ouviu falar em Santo Aspreno? Ou São Francisco Bórgia? Aliás, um Bórgia santo não seria um contrasenso? Só pelo nome, já mereceria ser excomungado.

Além da religião, os napolitanos são completamente apaixonados por futebol; e acima do futebol está o Napoli. Vou tentar dar a dimensão precisa a vocês: todo ano, há uma cerimônia na basílica de San Gennaro envolvendo uma ampola que, supostamente, contém o sangue do santo. Se nesse dia, durante a cerimônia, o sangue se liquefizer (e isso acontece frequentemente, é impressionante), o ano será bom para Nápoles; caso contrário, se ele continuar coagulado, acontecerá alguma catástrofe. Os desastres mais temidos são três: um terremoto; uma erupção vulcânica (o Vesúvio fica ali ao lado); e a queda de divisão do Napoli. Se pudesse, um napolitano comum trocaria sem pudor este último cataclismo pelos dois primeiros juntos.

Finalmente o lead

Conta a lenda que, certa vez, um grupo de napolitanos conseguiu uma audiência com o Papa João Paulo II. Conversa daqui, conversa dali, eles fizeram um pedido. O diálogo deve ter sido mais ou menos assim:

- Papa, precisamos de mais um Santo.
- Mais um? Mas vocês já têm mais de 70!
- Mas o futebol, Papa! O futebol! O Napoli não tem que o proteja!
- Vocês só podem estar brincando.
- Não, Papa. Entenda: o futebol é tão importante para nós quanto qualquer coisa – sem sacrilégio, claro. Precisamos de um padroeiro para o Napoli.
- ... e quem vocês sugerem?
- Diego Armando Maradona, Santo Padre! Vamos santificá-lo!

Um santo bêbado, drogado e mulherengo (e argentino)? Não, os napolitanos não vêem assim. Antes de Maradona, o Napoli tinha apenas duas Copas da Itália em 60 anos de história. Com ele, acumulou mais uma, dois Campeonatos Italianos, uma Supercopa Italiana e uma Copa da Uefa. Depois dele, mais nada. Maradona operou um verdadeiro milagre em três anos. Portanto, na visão desses napolitanos, deve ser santificado.

(Veja: é uma opinião diferente daquela que têm os argentinos, para quem Maradona é Deus em pessoa. Você não dá três passos em Buenos Aires sem se deparar com uma foto dele, e há uma igreja em Rosário – a Maradoniana – dedicada a ele, com 25 mil fiéis)

Não importa que o pibe de oro passe seus dias entre noitadas, clínicas de habilitação e UTIs em hospitais de Buenos Aires. Para os napolitanos, ele é um santo. E convenhamos, se um Bórgia (um Bórgia!) pode ser santo, por qual motivo Maradona não pode? Apenas por ser politicamente incorreto ao extremo?

Então eu fecho com os napolitanos: São Diego Armando Maradona, padroeiro do Napoli e protetor dos politicamente incorretos – Arranca-Toco incluído.

(Se você não sabe o que é nariz-de-cera ou lead, clique aqui)

3 comentários:

Anônimo disse...

Diego Armando Paradona... Esse não é um Cagalhão!

Anônimo disse...

Maradona é um gênio que não desiste nunca e de nada. Tenho um profundo respeito por ele que não tenho por Pelé. É preciso ser dito que sua fraqueza pelas drogas sempre esteve acompanhada por uma força titânica em lutar contra elas, apesar do sarro que se tira disso. Além de tudo, o cara é amigo do Fidel, que o ajudou a se tratar. Perto dos santos que estão sendo criados por aí, Maroadona é Deus.

Anônimo disse...

indiscutivelmente o pelé foi mais jogador que o maradona... mas o maradona era muito mais habilidoso e, realmente, sua história pelo napoli é impressionante... jogava muita bola...